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306 pages, Paperback
First published April 28, 1933
Pestanejando, Tchen descobria em si, até à náusea, não o combatente que esperava, mas um sacrificador. E não apenas aos deuses que escolhera; sob o seu sacrifício à revolução erguia-se um mundo de profundidades, junto das quais esta noite esmagada de angústia não era senão claridade. “Assassinar não é apenas matar, ai…�. Nos bolsos, as mãos hesitantes seguravam, a direita uma navalha fechada, a esquerda um punhal curto. Metia-as para o fundo o mais possível como se a noite não bastasse para esconder os seus gestos.Contudo, logo após, a narrativa foca-se muito no contexto histórico-político e, não obstante o rigor do registo documental, a leitura torna-se pouco dinâmica para quem, como eu, se aborrece de morte com coisas de política, estratégia e interesses comerciais. Os personagens (o que realmente me cativou nesta obra) não nos são propriamente apresentados; é com o decorrer da acção que se vão delineando os seus contornos e que vão adquirindo forma e densidade. As componentes psicológica e até filosófica tornam-se então centrais, e é a partir daí que a leitura me começa a prender de forma constante. Isto para dizer que se sentirem entediados ou confusos no início do livro não desistam; espera-nos uma galeria de personagens intensas que protagonizam cenas pungentes que dificilmente se nos apagarão da memória. E, porque é igualmente importante, belos pedaços de prosa, como aquele em que o autor se serve da noite de Xangai para ilustrar o estado de espírito de Tchen após a execução da sua missão:
Sacudida pela sua angústia, a noite borbulhava como um enorme fumo negro cheio de faúlhas; ao ritmo da sua respiração cada vez menos ofegante, imobilizou-se e, no despedaçar das nuvens, as estrelas restabeleceram-se no movimento eterno que o invadiu com o ar mais fresco de fora. Ouviu-se uma sirene que se perdeu nesta pungente serenidade. Em baixo, lá no fundo, as luzes da meia-noite, reflectidas através de uma bruma amarelada pelo macadame molhado, pelos riscos pálidos dos carris, palpitavam da vida dos homens que não matam.A Condição Humana é um romance desencantado, duro e cruel, que se serve da luta por ideais políticos para reflectir sobre a eterna procura de um sentido para a existência. A procura de um sentido para viver, para matar, para morrer; o poder para marcar a diferença, para mudar o curso da corrente, para alterar destinos; a procura do que permita superar a vulgar condição humana.
Por outro lado, os homens são talvez indiferentes ao poder... O que os fascina nessa ideia, vê você, não é o poder em si, é a ilusão do bel-prazer. O poder do rei é governar, não é? Mas o homem não quer governar: tem vontade de forçar, como você disse. De ser mais do que homem, num mundo de homens. Escapar à condição humana, era o que eu dizia. Não apenas poderoso: todo-poderoso. A quimérica doença, de que a vontade de poder é a justificação intelectual, é a vontade de divindade: todo o homem sonha ser deus.Quando terminei o livro senti-me indecisa quanto à classificação a atribuir-lhe. Mas uma vez sedimentada a leitura, percebi que aquilo que em certo ponto me vez vacilar acabou por se diluir até quase não deixar vestígios, e o que me ficou e ficará deste romance fez-me decidir por umas definitivas quatro estrelas.