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Li este livro há exactamente um ano. Voltei a ele porque não me saía da cabeça, sobretudo depois de ter visto duas versões distintas da ópera homónima de Richard Strauss. Sobretudo a primeira delas, no festival de Salzburgo de 2018, com Asmik Grigorian no papel principal, cuja encenação de Romeo Castellucci me deixou boquiaberto: ³§²¹±ô´Ç³¾Ã© é aí uma adolescente recém-menstruada; Herodes um Mussolini com metade do rosto pintado de vermelho; Iokanaan parece mais um apache do que judeu; Herodíade é ainda mais perversa; não há a cabeça de Iokanaan numa salva de prata, mas há a cabeça de um cavalo negro, não há a dança dos sete véus, etc. Para quem já leu esta peça genial de Oscar Wilde e se deparou com os inúmeros símbolos que ela guarda, ver a dita encenação deixa-nos a pensar como é possível encontrar ainda mais símbolos e acrescentar tantos níveis de leitura. Talvez por isso, reli tirando profusas notas. Não me demorarei em todas elas, mas há duas coisas que se me tornaram mais evidentes agora: a lua é outra das protagonistas, já o sabíamos, mas é-o no sentido em que as sociedades pré-históricas a viam. Sujeito ou deus que influencia e a quem importa aplacar com dádivas: tanto melhor se forem de sangue. E depois há o próprio sangue, também ele símbolo e presságio de que tudo pode correr mal. ³§²¹±ô´Ç³¾Ã© desce todas as escadas do poço da loucura em nome do Amor, do desejo carnal, e prova o sangue, amargo, porque também para ela a ideia de amor é amarga. Ler este texto e ver aquela encenação (ou outras, há tantas e tão boas), é uma das melhores e mais exigentes experiências intelectuais que já tive.

"No meu país, agora, não há deuses. Os Romanos expulsaram-nos. Há quem diga que se refugiaram nas montanhas, mas eu não acredito. Passei três noites nas montanhas a procurá-los por todos os lados. Não os encontrei. Por fim chamei-os pelos nomes e não apareceram. Suponho que morreram." p. 17