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A Espuma dos Dias
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O Segundo Manifesto Surrealista, escrito por André Breton em 1930 viria a influenciar toda uma geração de jovens artistas que, nas suas mais variadas valências, iriam contribuir para a sustentabilidade de um movimento artÃstico inovador nas suas premissas, único nos seus propósitos, singular nas suas determinações.
Tendo, como pano de fundo, as interpretações da realidade onÃrica, aquela que hoje, muito por força da fÃsica tântrica, denominarÃamos como uma realidade paralela, o movimento surrealista apresentava ao seu público, uma visão da nossa existência prenhe de contradições, de antagonismos, de visões não apenas antropomórficas como também as que constituem uma morfalidade gregária, cuja aposta incidia num mundo que fugia aos paradigmas culturais de uma época que procurava, acima de tudo, um entendimento irracional não só da realidade como do mundo em si. Um mundo carregado por valores sociais e culturais diferentes, mas ainda assim, ensombrado pela morte e pela perda admitindo, porém, a capacidade e o poder do amor na salvação.
“A Espuma do Diaâ€� (escrito em 1947) condensa toda essa matéria. A morfalidade gregária que acima referia, sente-se aqui em toda a sua força: amigos e amantes num ambiente nada estereotipado de união, revelam as suas capacidades cognitivas de apropriação de sentimentos dÃspares (o verdadeiro amor de Colin por Chloé e o de Chick por Jean-Sol-Partre, “uma deformação satÃricaâ€� de Jean-Paul Sartre), constituindo, assim, o eixo desta estranha, embora incrÃvel, narrativa.
Com um sentido de humor muito próprio, Boris Vian pega-nos pela mão e introduz-nos nesta visão surreal de um mundo onde o sol poderá brilhar no sentido particular das nossas intenções, onde um rato de grandes bigodes constitui numa das personagens principais e onde um gato e um rato mantêm um diálogo sobre a melhor forma de suicÃdio.
Como diria Fernando Pessoa, a propósito do sabor da Coca-Cola, “primeiro estranha-se e depois entranha-se�. Confesso que esse “axioma� me serviu como uma luva, na medida em que não conseguia parar de ler, sempre à espera de mais e outras situações inusitadas, mas de enorme envolvência literária.
Houve vários momentos que me tocaram. Entre eles destaco:
- a forma como Vian nos revela aquilo que hoje chamamos um click, quando duas pessoas encontram o seu olhar e sabem que têm de ter uma história: “Não acrescentou que havia algo no interior do seu tórax a tocar qualquer coisa parecida com música militar alemã, daquela em que se ouve o bombo e nada mais�. Não é mesmo assim?
- ou quando nos sentimos ameaçados por algo, por uma estrutura superior chegando a esta belÃssima conclusão: “As pessoas são como tubarões â€� disse o professor â€� comparo-me, com satisfação, ao infeliz naufrago a quem os monstros vorazes vigiam a sonolência para fazer a frágil canoa voltar-seâ€�. Sublime!
- os momentos surreais de uma mente, talvez, atormentada: “Um olho rolou sobre si próprio, durante alguns momentos olhou-os e desapareceu debaixo de uma grande toalha de algodão avermelhado e mole como uma medusa estropiada�. A criatividade de quem viveu uma época única.
- “SaÃram. O céu azul-esverdeado caÃa quase até á rua e grandes manchas brancas marcavam os pontos do solo onde as nuvens acabavam de se despedaçarâ€�. Ainda por cima, o poder poético que não cabe a todos.
A leitura de “A Espuma dos Diasâ€� vale pelo testemunho histórico, literário, de uma época profÃcua nas suas intenções.
Tive a felicidade, nas minhas deambulações por Sèvres, Paris, encontrar a casa onde viveu esse autor único, exemplo maior do surrealismo e do existencialismo literário.
Tendo, como pano de fundo, as interpretações da realidade onÃrica, aquela que hoje, muito por força da fÃsica tântrica, denominarÃamos como uma realidade paralela, o movimento surrealista apresentava ao seu público, uma visão da nossa existência prenhe de contradições, de antagonismos, de visões não apenas antropomórficas como também as que constituem uma morfalidade gregária, cuja aposta incidia num mundo que fugia aos paradigmas culturais de uma época que procurava, acima de tudo, um entendimento irracional não só da realidade como do mundo em si. Um mundo carregado por valores sociais e culturais diferentes, mas ainda assim, ensombrado pela morte e pela perda admitindo, porém, a capacidade e o poder do amor na salvação.
“A Espuma do Diaâ€� (escrito em 1947) condensa toda essa matéria. A morfalidade gregária que acima referia, sente-se aqui em toda a sua força: amigos e amantes num ambiente nada estereotipado de união, revelam as suas capacidades cognitivas de apropriação de sentimentos dÃspares (o verdadeiro amor de Colin por Chloé e o de Chick por Jean-Sol-Partre, “uma deformação satÃricaâ€� de Jean-Paul Sartre), constituindo, assim, o eixo desta estranha, embora incrÃvel, narrativa.
Com um sentido de humor muito próprio, Boris Vian pega-nos pela mão e introduz-nos nesta visão surreal de um mundo onde o sol poderá brilhar no sentido particular das nossas intenções, onde um rato de grandes bigodes constitui numa das personagens principais e onde um gato e um rato mantêm um diálogo sobre a melhor forma de suicÃdio.
Como diria Fernando Pessoa, a propósito do sabor da Coca-Cola, “primeiro estranha-se e depois entranha-se�. Confesso que esse “axioma� me serviu como uma luva, na medida em que não conseguia parar de ler, sempre à espera de mais e outras situações inusitadas, mas de enorme envolvência literária.
Houve vários momentos que me tocaram. Entre eles destaco:
- a forma como Vian nos revela aquilo que hoje chamamos um click, quando duas pessoas encontram o seu olhar e sabem que têm de ter uma história: “Não acrescentou que havia algo no interior do seu tórax a tocar qualquer coisa parecida com música militar alemã, daquela em que se ouve o bombo e nada mais�. Não é mesmo assim?
- ou quando nos sentimos ameaçados por algo, por uma estrutura superior chegando a esta belÃssima conclusão: “As pessoas são como tubarões â€� disse o professor â€� comparo-me, com satisfação, ao infeliz naufrago a quem os monstros vorazes vigiam a sonolência para fazer a frágil canoa voltar-seâ€�. Sublime!
- os momentos surreais de uma mente, talvez, atormentada: “Um olho rolou sobre si próprio, durante alguns momentos olhou-os e desapareceu debaixo de uma grande toalha de algodão avermelhado e mole como uma medusa estropiada�. A criatividade de quem viveu uma época única.
- “SaÃram. O céu azul-esverdeado caÃa quase até á rua e grandes manchas brancas marcavam os pontos do solo onde as nuvens acabavam de se despedaçarâ€�. Ainda por cima, o poder poético que não cabe a todos.
A leitura de “A Espuma dos Diasâ€� vale pelo testemunho histórico, literário, de uma época profÃcua nas suas intenções.
Tive a felicidade, nas minhas deambulações por Sèvres, Paris, encontrar a casa onde viveu esse autor único, exemplo maior do surrealismo e do existencialismo literário.
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A Espuma dos Dias.
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February 3, 2020
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February 3, 2020
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September 10, 2020
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