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“Sagres 茅 o cabo do mundo. Levo os p茅s magoados de caminhar sobre pedregulhos azulados, num carreirinho, por entre lava atormentada. Do passado restam cacos, o presente 茅 uma coisa fora da realidade, grande extens茫o deserta e encapelada, com pedraria a aflorar entre tufos lutuosos; vasto oss谩rio abandonado onde as pedras s茫o caveiras, as ervas cardos negros e os tojos s贸 espinhos e algumas folhas de zinco. O mar - 茅 verdade, esquecia-o - mas o mar como imensidade e trag茅dia, e ao lado a gigantesca ponta de S茫o Vicentte, s贸 negrume e sombra. Mar e 肠茅耻, 肠茅耻 e mar, terra reduzida a torresmos, e o sentimento do ilimitado. Esta grandeza esmaga-me.

Grande s铆tio para ser devorado por uma ideia! Isto devia chamar-se Sagres ou a ideia fixa... S贸 agora entrevejo o vulto do Infante. Cerca-o e aperta-o a solid茫o de ferro. Pedra e mar - torna-se de pedra. Est谩 s贸 no mundo e contrariado por todos. Obstina-se durante doze anos! contra o clamor geral. - Perdi莽茫o! Perdi莽茫o! - agoura toda a gente, e Ele n茫o ouve os gritos da plebe ou a murmura莽茫o das pessoas 芦de mais qualidade禄 (Barros). Aqui n茫o se ouve nada... Nem um sinal de assentimento encontra. N茫o importa, S贸 e o sonho, na gigantesca penedia que com dois dedos inexor谩veis aponta o caminho mar铆timo para as 脥ndias pela direc莽茫o da ponta de Sagres, e a descoberta do Brasil pela direc莽茫o da ponta de S茫o Vicente. L谩grimas, orfandades, mortes... Mas o homem de pedra est谩 diante deste infinito amargo e s贸 v锚 o sonho que o devora. Rodeia-o a imensid茫o. Os mais pr铆ncipes contentam-se 芦com a terra que ora temos, a qual Deus deu por termo e habita莽茫o dos homens禄. Este Pr铆ncipe n茫o. Este Pr铆ncipe pertence a outra ra莽a e a outra categoria de homens. N茫o lhe basta um grande sonho - h谩-de por for莽a realiz谩-lo e 芦levar os Portugueses a povoar terras ermas por tantos perigos de mar, de fome e de sede禄. N茫o 茅 ego铆smo, mas s贸 vive para o pensamento que se apoderou de todo o seu ser. Um pensamento e o ermo. E este 茅 贸ptimo para forjar uma alma 脿 luz do 肠茅耻 ou do inferno. Os dias neste s铆tio magn茅tico pesam como chumbo. Uma pobre mulher do povo dizia-me ontem: 鈥擨sto aqui 茅 t茫o nu e t茫o s贸 que a gente ou se agarra a um trabalho e n茫o o larga, ou morre. 脡 a realidade que nos mata. Este panorama 茅 na verdade tr谩gico. N茫o cessa dia e noite o lamento eterno da ventania e das 谩guas. E os cabos, que s茫o de ferro e escorrem sangue, obstinam-se em apontar o seu destino de dor a esta terra de pescadores.”
― Raul Brand茫o, Os Pescadores