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As Cruzadas Vistas pelos Árabes
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Tenho este livro há mais de 20 anos e já o comecei a ler mais do que uma vez, para desistir ao fim de poucas páginas. Desta vez, o livro agarrou-me desde o início.
É um relato emocionante dos acontecimentos no Médio Oriente, numa época em que os povos desta região eram muito mais evoluídos do que os europeus, mas se encontravam embrenhados em disputas, invejas e guerras internas, que deram vantagem aos ocidentais, culturalmente mais atrasados, mas combatentes intrépidos e hábeis negociadores. Aproveitando a falta de união dos príncipes árabes, e replicando o modo de operar trazido da Europa, os cruzados estabeleceram alianças de modo a conquistar território e poder, pouco se importando com o credo ou a raça dos seus aliados, lutando inclusivamente contra outros cristãos:
(�) Os que haviam participado na gigantesca batalha de Antioquia podiam acaso imaginar que, dez anos mais tarde, um governador de Mossul, sucessor do atabeque Karbuka, firmaria uma aliança com um conde franco de Edessa e que ambos lutariam lado a lado contra uma coligação formada por um príncipe franco de Antioquia e o rei seljúcida de Alepo? Decididamente, não fora preciso esperar muito tempo para ver os Franj tornarem-se parceiros incondicionais do jogo de pimpampum dos reizetes muçulmanos!
Mas não é por serem culturalmente mais evoluídos, que os orientais são menos brutais. Entre reis, condes, sultões e vizires não encontramos grandes heróis nem grandes vítimas, exceto os civis, mulheres e crianças, que como sempre, ao longo da história, são quem mais sofre. Mas fiquei admiradora de Saladino, pela magnanimidade com que tratou os vencidos e pelo desapego dos bens materiais, tão diferente da maior parte dos seus contemporâneos:
A sua repugnância em derramar inutilmente sangue, o estrito acatamento dos seus compromissos, a nobreza comovente de cada um dos seus gestos têm, aos olhos da História, pelo menos tanto valor como as suas conquistas.
(...)
Saladino não recusava coisa alguma a um homem de palavra, ainda que se tratasse do mais indomável dos seus inimigos.
Também fiquei impressionada com a bravura de muitos exércitos cruzados, pela forma valente como se bateram, mesmo nas piores condições. A batalha de Hittin, é um dos relatos mais emocionantes, do qual transcrevo apenas uma pequena parte:
No dia 3 de Julho, o exército franco, composto por cerca de doze mil homens, põe-se em movimento. O caminho que ele deve percorrer (�) não é longo, quando muito quatro horas de marcha em tempo normal. No Verão, porém, este espaço da terra palestina é completamente árido. Não há aí nascentes nem poços, e os cursos de água estão secos. Mas ao saírem (�) de manhã cedo, os Franj não duvidam de poder matar a sede à beira do lago nessa mesma tarde. Saladino preparou minuciosamente a sua armadilha. Os seus ginetes flagelaram o inimigo durante o dia inteiro (�) forçam-no a abrandar o andamento. (...)
Pouco antes da tardinha, os Franj atingiram um alto promontório (�) lá muito ao fundo do vale cintilam as águas do lago Tiberíade. E mais perto, na planície verdejante (�) o exército de Saladino. Para beber, é necessário pedir autorização ao sultão!
Saladino sorri. Ele sabe que os Franj estão esgotados, mortos de sede, que eles já não têm força nem tempo, antes de anoitecer, de abrir uma passagem até ao lago, condenados a ficar até de manhã sem uma gota de água. Poderão deveras lutar em tais condições? (�)
No dia seguinte (�) Acometidos pela sede, as chamas, o fumo, o calor do Estio e o ardor do combate, os Franj já não podiam mais. Mas disseram consigo que só podiam escapar à morte enfrentando-a. Lançaram então ataques tão violentos que os muçulmanos por pouco não cederam.
Começando com as cruzadas e prosseguindo até às invasões mongóis, este livro é um relato histórico, com citações e fontes, mas escrito de tal forma, que me pareceu (no bom sentido) estar a ler ficção.
Hassan as-Sabbath nascera por volta de 1048 na cidade de Rayy, muito perto do sítio onde será fundado, bastantes anos mais tarde, o burgo de Teerão.
Quando Hassan nasceu, a doutrina xiita, à qual adere, era dominante na Ásia muçulmana. (�) Mas durante a juventude de Hassan, a situação inverteu-se completamente. Os Seljúcidas, defensores da ortodoxia sunita, apoderaram-se de toda a região. O xiismo, ainda não há muito triunfante, não passa então de uma doutrina tolerada, e amiúde perseguida.
Hassan insurge-se contra esta situação. (�) Em 1090, ele apodera-se, de surpresa, da fortaleza de Alamut (�) perto do mar Cáspio, numa zona praticamente inacessível. Dispondo assim de um santuário inviolável, Hassan começa a erigir uma organização político-religiosa cuja eficácia e espírito de disciplina jamais serão igualados na História.
Os adeptos (�) seguem cursos intensivos de doutrinação, bem como um treino físico. A arma preferida de Hassan para aterrorizar os seus inimigos é o assassínio. (�) se os preparativos se desenrolam no maior segredo, já a execução deve necessariamente passar-se em público, diante da multidão mais numerosa possível. (�) Para Hassan, o assassínio não é um simples meio de se desembaraçar de um adversário, é antes de tudo, uma dupla lição dada em público: a do castigo da pessoa morta e a do sacrifício heróico do adepto executor, chamado fedai, ou seja, “comando suicida�, porque ele é quase sempre abatido ali mesmo.
A forma serena como os membros da seita consentiam em deixar-se massacrar levou a acreditar que eles estavam drogados com haxixe, o que deu origem à alcunha de haschischiyun ou haschaschin, palavra que será deformada em “Assassino� e não tardará a tornar-se em numerosas línguas um nome comum. A hipótese é plausível, mas em tudo referente à seita é difícil distinguir realidade e lenda.
(�)
Antes de deixar o Oriente, Ricardo (Coração de Leão) confia o reino de Jerusalém ao conde Henrique da Champanha (“al-cond-Herri�). (�) Para compensar a fraqueza do seu Estado, Henrique busca concluir uma aliança com os Assassinos. Ele dirige-se em pessoa a uma das suas fortalezas, al-Kahf, para se avistar com o grão-mestre. Sinan, “o velho da montanha� morreu pouco tempo antes, mas o seu sucessor exerce sobre a seita a mesma autoridade absoluta. A fim de o provar ao seu visitante franco, ele ordena a dois adeptos que se lancem do alto das muralhas, o que estes fazem sem um instante de hesitação � o grão mestre apresta-se mesmo a prosseguir a matança, mas Henrique suplica-lhe que não vá mais longe. Conclui-se um tratado de aliança. Para obsequiar o seu convidado, os Assassinos perguntam-lhe se não quer encarregá-los de um homicídio. Henrique agradece-lhes, prometendo recorrer aos seus serviços se o ensejo surgir.
O livro termina com um epílogo onde o autor faz uma breve análise que liga a história das cruzadas aos desenvolvimentos modernos (dos anos 80, altura em que o livro foi publicado) e que vale tanto a pena como o resto do livro.
É um relato emocionante dos acontecimentos no Médio Oriente, numa época em que os povos desta região eram muito mais evoluídos do que os europeus, mas se encontravam embrenhados em disputas, invejas e guerras internas, que deram vantagem aos ocidentais, culturalmente mais atrasados, mas combatentes intrépidos e hábeis negociadores. Aproveitando a falta de união dos príncipes árabes, e replicando o modo de operar trazido da Europa, os cruzados estabeleceram alianças de modo a conquistar território e poder, pouco se importando com o credo ou a raça dos seus aliados, lutando inclusivamente contra outros cristãos:
(�) Os que haviam participado na gigantesca batalha de Antioquia podiam acaso imaginar que, dez anos mais tarde, um governador de Mossul, sucessor do atabeque Karbuka, firmaria uma aliança com um conde franco de Edessa e que ambos lutariam lado a lado contra uma coligação formada por um príncipe franco de Antioquia e o rei seljúcida de Alepo? Decididamente, não fora preciso esperar muito tempo para ver os Franj tornarem-se parceiros incondicionais do jogo de pimpampum dos reizetes muçulmanos!
Mas não é por serem culturalmente mais evoluídos, que os orientais são menos brutais. Entre reis, condes, sultões e vizires não encontramos grandes heróis nem grandes vítimas, exceto os civis, mulheres e crianças, que como sempre, ao longo da história, são quem mais sofre. Mas fiquei admiradora de Saladino, pela magnanimidade com que tratou os vencidos e pelo desapego dos bens materiais, tão diferente da maior parte dos seus contemporâneos:
A sua repugnância em derramar inutilmente sangue, o estrito acatamento dos seus compromissos, a nobreza comovente de cada um dos seus gestos têm, aos olhos da História, pelo menos tanto valor como as suas conquistas.
(...)
Saladino não recusava coisa alguma a um homem de palavra, ainda que se tratasse do mais indomável dos seus inimigos.
Também fiquei impressionada com a bravura de muitos exércitos cruzados, pela forma valente como se bateram, mesmo nas piores condições. A batalha de Hittin, é um dos relatos mais emocionantes, do qual transcrevo apenas uma pequena parte:
No dia 3 de Julho, o exército franco, composto por cerca de doze mil homens, põe-se em movimento. O caminho que ele deve percorrer (�) não é longo, quando muito quatro horas de marcha em tempo normal. No Verão, porém, este espaço da terra palestina é completamente árido. Não há aí nascentes nem poços, e os cursos de água estão secos. Mas ao saírem (�) de manhã cedo, os Franj não duvidam de poder matar a sede à beira do lago nessa mesma tarde. Saladino preparou minuciosamente a sua armadilha. Os seus ginetes flagelaram o inimigo durante o dia inteiro (�) forçam-no a abrandar o andamento. (...)
Pouco antes da tardinha, os Franj atingiram um alto promontório (�) lá muito ao fundo do vale cintilam as águas do lago Tiberíade. E mais perto, na planície verdejante (�) o exército de Saladino. Para beber, é necessário pedir autorização ao sultão!
Saladino sorri. Ele sabe que os Franj estão esgotados, mortos de sede, que eles já não têm força nem tempo, antes de anoitecer, de abrir uma passagem até ao lago, condenados a ficar até de manhã sem uma gota de água. Poderão deveras lutar em tais condições? (�)
No dia seguinte (�) Acometidos pela sede, as chamas, o fumo, o calor do Estio e o ardor do combate, os Franj já não podiam mais. Mas disseram consigo que só podiam escapar à morte enfrentando-a. Lançaram então ataques tão violentos que os muçulmanos por pouco não cederam.
Começando com as cruzadas e prosseguindo até às invasões mongóis, este livro é um relato histórico, com citações e fontes, mas escrito de tal forma, que me pareceu (no bom sentido) estar a ler ficção.
Hassan as-Sabbath nascera por volta de 1048 na cidade de Rayy, muito perto do sítio onde será fundado, bastantes anos mais tarde, o burgo de Teerão.
Quando Hassan nasceu, a doutrina xiita, à qual adere, era dominante na Ásia muçulmana. (�) Mas durante a juventude de Hassan, a situação inverteu-se completamente. Os Seljúcidas, defensores da ortodoxia sunita, apoderaram-se de toda a região. O xiismo, ainda não há muito triunfante, não passa então de uma doutrina tolerada, e amiúde perseguida.
Hassan insurge-se contra esta situação. (�) Em 1090, ele apodera-se, de surpresa, da fortaleza de Alamut (�) perto do mar Cáspio, numa zona praticamente inacessível. Dispondo assim de um santuário inviolável, Hassan começa a erigir uma organização político-religiosa cuja eficácia e espírito de disciplina jamais serão igualados na História.
Os adeptos (�) seguem cursos intensivos de doutrinação, bem como um treino físico. A arma preferida de Hassan para aterrorizar os seus inimigos é o assassínio. (�) se os preparativos se desenrolam no maior segredo, já a execução deve necessariamente passar-se em público, diante da multidão mais numerosa possível. (�) Para Hassan, o assassínio não é um simples meio de se desembaraçar de um adversário, é antes de tudo, uma dupla lição dada em público: a do castigo da pessoa morta e a do sacrifício heróico do adepto executor, chamado fedai, ou seja, “comando suicida�, porque ele é quase sempre abatido ali mesmo.
A forma serena como os membros da seita consentiam em deixar-se massacrar levou a acreditar que eles estavam drogados com haxixe, o que deu origem à alcunha de haschischiyun ou haschaschin, palavra que será deformada em “Assassino� e não tardará a tornar-se em numerosas línguas um nome comum. A hipótese é plausível, mas em tudo referente à seita é difícil distinguir realidade e lenda.
(�)
Antes de deixar o Oriente, Ricardo (Coração de Leão) confia o reino de Jerusalém ao conde Henrique da Champanha (“al-cond-Herri�). (�) Para compensar a fraqueza do seu Estado, Henrique busca concluir uma aliança com os Assassinos. Ele dirige-se em pessoa a uma das suas fortalezas, al-Kahf, para se avistar com o grão-mestre. Sinan, “o velho da montanha� morreu pouco tempo antes, mas o seu sucessor exerce sobre a seita a mesma autoridade absoluta. A fim de o provar ao seu visitante franco, ele ordena a dois adeptos que se lancem do alto das muralhas, o que estes fazem sem um instante de hesitação � o grão mestre apresta-se mesmo a prosseguir a matança, mas Henrique suplica-lhe que não vá mais longe. Conclui-se um tratado de aliança. Para obsequiar o seu convidado, os Assassinos perguntam-lhe se não quer encarregá-los de um homicídio. Henrique agradece-lhes, prometendo recorrer aos seus serviços se o ensejo surgir.
O livro termina com um epílogo onde o autor faz uma breve análise que liga a história das cruzadas aos desenvolvimentos modernos (dos anos 80, altura em que o livro foi publicado) e que vale tanto a pena como o resto do livro.
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February 19, 2015
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February 10, 2021
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November 5, 2023
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"Foi (�) no dia 15 de Julho de 1099, que os Franj (i.e. francos) se apoderaram da cidade santa (...)
Quando a matança parou, dois dias mais tarde, já não havia um só muçulmano dentro dos muros.
(�) A sorte dos judeus de Jerusalém não foi menos atroz. (...) A comunidade inteira (...) reuniu-se na sinagoga (...) Os Franj bloquearam todas as saídas, depois, empilhando molhos de lenha a toda a volta, deitaram-lhes fogo."
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Quando a matança parou, dois dias mais tarde, já não havia um só muçulmano dentro dos muros.
(�) A sorte dos judeus de Jerusalém não foi menos atroz. (...) A comunidade inteira (...) reuniu-se na sinagoga (...) Os Franj bloquearam todas as saídas, depois, empilhando molhos de lenha a toda a volta, deitaram-lhes fogo."
November 13, 2023
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"(�) um dos episódios mais curiosos das guerras francas (�) Os que haviam participado na gigantesca batalha de Antioquia podiam acaso imaginar que, dez anos mais tarde, um governador de Mossul, sucessor do atabeque Karbuka, firmaria uma aliança com um conde franco de Edessa e que ambos lutariam lado a lado contra uma coligação formada por um príncipe franco de Antioquia e o rei seljúcida de Alepo?"
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November 21, 2023
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"A forma serena como os membros da seita (dos Assassinos, criada em 1090) consentiam em deixar-se massacrar levou a acreditar que eles estavam drogados com haxixe, o que deu origem à alcunha de haschischiyun ou haschaschin, palavra que será deformada em “Assassino� e não tardará a tornar-se em numerosas línguas um nome comum. A hipótese é plausível, mas em tudo referente à seita é difícil distinguir realidade e lenda."
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November 22, 2023
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"Henrique busca uma aliança com os Assassinos. Encontra-se com o grão-mestre que exerce sobre a seita autoridade absoluta. Para o provar ordena a dois adeptos que se lancem das muralhas o que estes fazem sem hesitação. Conclui-se um tratado de aliança. Para obsequiar o convidado os Assassinos perguntam se não quer encarregá-los de um homicídio. Henrique agradece prometendo recorrer aos seus serviços se o ensejo surgir"
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292
November 22, 2023
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David
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Nov 22, 2023 11:51AM

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