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Se começássemos por Gógol e então lêssemos Kafka, já não estranharíamos tanto o segundo. Tanto num como noutro, o absurdo é-nos entregue como facto, solto, não havendo lugar a explicações ou esclarecimentos. Ano e meio após ter lido O Processo fafkiano, continuo a perguntar-me: por que raio foi Josef K. alvo de uma acusação cujo fundamento nunca lhe foi revelado? E no momento a seguir logo me lembro que, no fundo, perguntas como essa não têm a menor relevância para a história. O mesmo se passa aqui: que importa que um nariz ganhe vida e decida deambular por aí de fato e gravata, liberto daquele a quem pertence? E que importa toda a inverosimilhança espelhada por um cenário desse género? Nada, como acabamos eventualmente por perceber.

Não é o objecto do absurdo em si que merece consideração, mas antes a forma como as pessoas (as personagens e, através delas, o leitor) reagem a ele. Diz o autor no fim, e bem, que incongruências acontecem por toda a parte, acontecimentos que não se explicam. Tão absurdas quanto esta? Raramente, sim... mas acontecem! E nesse “mas�, nessa mínima ocorrência, estão contidas as respostas aos porquês com que nos deparamos ao ler narrativas tão surreais e a legitimidade daqueles que as escrevem.

Muito recomendado a apreciadores do género!