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Paratii: Entre Dois Polos
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Marcelo Bahia's review
bookshelves: antarctica-kicks-ass, true-story, travel-and-places
Feb 03, 2019
bookshelves: antarctica-kicks-ass, true-story, travel-and-places
Absolutamente delicioso. Relato de uma jornada de quase dois anos pelos dois extremos do globo antes de retornar ao Brasil, incluindo um inverno solitário congelado na PenÃnsula Antártica, Amyr Klink traz o leitor a bordo de seu veleiro Paratii de uma maneira que poucos livros são capazes de fazer.
Este não é apenas mais um dos diversos livros de exploradores antárticos, dos quais, por sinal, sou um grande fã (Silvia corrigiria para "obsessivo-compulsivo"). Não se trata de uma narrativa estóica envolvendo esforço e capacidade sobre-humana em uma luta pela sobrevivência por ambiciosos exploradores no inÃcio do século XX. Amundsen, Shackleton, Scott, Mawson... Cada um deles realizou façanhas e passou por por privações tão gigantes quanto o seu marco na história (bem, exceto pelo norueguês Amundsen, que foi o primeiro homem a chegar ao Pólo Sul através de um planejamento impecável que não deu margem para grandes agruras. Sou incapaz de equiparar sua precisão de planejamento sequer em uma viagem de férias de 2 semanas). Não é esse tipo de glória exploratória que Klink buscou em sua viagem, e sim um experimento auto-investigativo  que de fato exigiria algumas competências fÃsicas mas, acima de tudo, competências mentais.
A leitura traz uma imersão na rotina de navegação e manutenção do veleiro, mas encaro isso apenas como um bônus. O mais fascinante é a fidedigna descrição da solidão do primitivo continente gelado, e de como o também solitário velejador se insere nela. Não que a Antártida careça de vida, como muitos chegam a pensar: lar de pinguins, focas, baleias, golfinhos, albatrozes e mandriões, sua fauna não só é rica como segue sua dinâmica própria à revelia dos (poucos) humanos que por lá aparecem. Como é o único continente do globo que nunca foi objeto de habitação permanente pelo homem, os animais não parecem ter desenvolvido o medo instintivo de nossa presença caracterÃstico de outras espécies. De qualquer forma, apesar da companhia animal constante, a solidão vivida por Amyr Klink é das maiores que podemos imaginar hoje em dia, ainda mais levando-se em conta o atual estágio de hiper-conectividade de nossa rotina. Ele é o contraexemplo da famosa frase de Pascal, que certa vez declarou que "Todos os problemas da humanidade advêm da incapacidade do homem de se sentar calado em um quarto". A solidão, entretanto, é muito diferente do tédio - que, por sinal, não deve ser encarado como algo negativo e . O tédio não existe quando, segundo o próprio autor, cada dia do noturno inverno antártico é surpreendente e absolutamente diferente dos demais. Isso além de uma rotina exaustiva fisicamente, dado que o velejador era o único responsável por todas as tarefas "domésticas" como cozinhar e lavar e pela manutenção geral do barco - tudo isso em meio a temperaturas congelantes extremas.
Pessoalmente, este livro foi mais do que uma leitura agradável e interessante. Tive a sorte e o privilégio de passar cinco dias na Antártida em janeiro de 2012, inclusive na mesma região visitada por Amyr Klink nesta ocasião. As descrições contidas no livro foram saborosamente familiares, inclusive o comportamento dos pinguins nas colônias de Porto Lockroy e da BaÃa de Dorian; aparentemente pouca coisa mudou na fauna local durante este intervalo de pouco mais de vinte anos. Cada um destes cinco dias também foi diferente dos demais, e cada um deles também trouxe uma surpresa fora do roteiro: de um grupo de quatro baleias fazendo acrobacias a poucos metros do meu bote de borracha ao desmoronamento de uma geleira gigantesca que parecia sólida e segura segundos atrás. Aliás, também tive a sorte de dormir acampado na mesma BaÃa de Dorian escolhida pelo velejador para a sua invernagem e posso atestar as vantagens e a beleza do local, bem como a bagunça incessante feita pelos pinguins residentes. Não tendo o conforto de um barco ou mesmo de uma barraca, cavei um buraco no gelo e lá enfiei o meu saco de dormir. Foi uma noite inesquecÃvel: o sono interrompido pelo cacarejar incessante dos pinguins e o frio congelante que adentrava o saco de dormir tornou-a a mais mal dormida de minha vida.
Mesmo para um leitor que não tenha ligação emocional com o continente, a reação a este livro não deverá ser menos positiva. Uma aventura que também traz o questionamento do que nos motiva em algumas das decisões importantes em nossas vidas, é uma leitura que merece passar pela mesa de cabeceira de qualquer um.
Este não é apenas mais um dos diversos livros de exploradores antárticos, dos quais, por sinal, sou um grande fã (Silvia corrigiria para "obsessivo-compulsivo"). Não se trata de uma narrativa estóica envolvendo esforço e capacidade sobre-humana em uma luta pela sobrevivência por ambiciosos exploradores no inÃcio do século XX. Amundsen, Shackleton, Scott, Mawson... Cada um deles realizou façanhas e passou por por privações tão gigantes quanto o seu marco na história (bem, exceto pelo norueguês Amundsen, que foi o primeiro homem a chegar ao Pólo Sul através de um planejamento impecável que não deu margem para grandes agruras. Sou incapaz de equiparar sua precisão de planejamento sequer em uma viagem de férias de 2 semanas). Não é esse tipo de glória exploratória que Klink buscou em sua viagem, e sim um experimento auto-investigativo  que de fato exigiria algumas competências fÃsicas mas, acima de tudo, competências mentais.
A leitura traz uma imersão na rotina de navegação e manutenção do veleiro, mas encaro isso apenas como um bônus. O mais fascinante é a fidedigna descrição da solidão do primitivo continente gelado, e de como o também solitário velejador se insere nela. Não que a Antártida careça de vida, como muitos chegam a pensar: lar de pinguins, focas, baleias, golfinhos, albatrozes e mandriões, sua fauna não só é rica como segue sua dinâmica própria à revelia dos (poucos) humanos que por lá aparecem. Como é o único continente do globo que nunca foi objeto de habitação permanente pelo homem, os animais não parecem ter desenvolvido o medo instintivo de nossa presença caracterÃstico de outras espécies. De qualquer forma, apesar da companhia animal constante, a solidão vivida por Amyr Klink é das maiores que podemos imaginar hoje em dia, ainda mais levando-se em conta o atual estágio de hiper-conectividade de nossa rotina. Ele é o contraexemplo da famosa frase de Pascal, que certa vez declarou que "Todos os problemas da humanidade advêm da incapacidade do homem de se sentar calado em um quarto". A solidão, entretanto, é muito diferente do tédio - que, por sinal, não deve ser encarado como algo negativo e . O tédio não existe quando, segundo o próprio autor, cada dia do noturno inverno antártico é surpreendente e absolutamente diferente dos demais. Isso além de uma rotina exaustiva fisicamente, dado que o velejador era o único responsável por todas as tarefas "domésticas" como cozinhar e lavar e pela manutenção geral do barco - tudo isso em meio a temperaturas congelantes extremas.
Pessoalmente, este livro foi mais do que uma leitura agradável e interessante. Tive a sorte e o privilégio de passar cinco dias na Antártida em janeiro de 2012, inclusive na mesma região visitada por Amyr Klink nesta ocasião. As descrições contidas no livro foram saborosamente familiares, inclusive o comportamento dos pinguins nas colônias de Porto Lockroy e da BaÃa de Dorian; aparentemente pouca coisa mudou na fauna local durante este intervalo de pouco mais de vinte anos. Cada um destes cinco dias também foi diferente dos demais, e cada um deles também trouxe uma surpresa fora do roteiro: de um grupo de quatro baleias fazendo acrobacias a poucos metros do meu bote de borracha ao desmoronamento de uma geleira gigantesca que parecia sólida e segura segundos atrás. Aliás, também tive a sorte de dormir acampado na mesma BaÃa de Dorian escolhida pelo velejador para a sua invernagem e posso atestar as vantagens e a beleza do local, bem como a bagunça incessante feita pelos pinguins residentes. Não tendo o conforto de um barco ou mesmo de uma barraca, cavei um buraco no gelo e lá enfiei o meu saco de dormir. Foi uma noite inesquecÃvel: o sono interrompido pelo cacarejar incessante dos pinguins e o frio congelante que adentrava o saco de dormir tornou-a a mais mal dormida de minha vida.
Mesmo para um leitor que não tenha ligação emocional com o continente, a reação a este livro não deverá ser menos positiva. Uma aventura que também traz o questionamento do que nos motiva em algumas das decisões importantes em nossas vidas, é uma leitura que merece passar pela mesa de cabeceira de qualquer um.
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January 26, 2019
–
Started Reading
January 26, 2019
– Shelved
January 26, 2019
– Shelved as:
antarctica-kicks-ass
January 26, 2019
– Shelved as:
true-story
January 26, 2019
– Shelved as:
travel-and-places
January 27, 2019
–
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