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Cidade Quotes

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Eça de Queirós
“- Sim, é talvez tudo uma ilusão... E a Cidade a maior ilusão!
Tão facilmente vitorioso redobrei de facúndia. Certamente, meu Príncipe, uma ilusão! E a mais amarga, porque o Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. (...) Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem febra, sem viço, torto, corcunda - esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na Cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; e rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os de um cárcere ou de um quartel... A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os santos ) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro! Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar - e que, nunca fartando o desejo, incessantemente padecem de desilusão, desesperança ou derrota? Os sentimentos mais genuinamente humanos logo na Cidade se desumanizam! Vê, meu Jacinto! São como luzes que o áspero vento do viver social não deixa arder com serenidade e limpidez; e aqui abala e faz tremer; e além brutamente apaga; e adiante obriga a flamejar com desnaturada violência. As amizades nunca passam de alianças que o interesse, na hora inquieta da defesa ou na hora sôfrega do assalto, ata apressadamente com um cordel apressado, e que estalam ao menor embate da rivalidade ou do orgulho. E o Amor, na Cidade, meu gentil Jacinto? Considera esses vastos armazéns com espelhos, onde a nobre carne de Eva se vende, tarifada ao arratel, como a de vaca! Contempla esse velho Deus do Himeneu, que circula trazendo em vez do ondeante facho da Paixão a apertada carteira do Dote! Espreita essa turba que foge dos largos caminhos assoalhados em que os Faunos amam as Ninfas na boa lei natural, e busca tristemente os recantos lôbregos de Sodoma ou de Lesbos!... Mas o que a cidade mais deteriora no homem é a Inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância. Nesta densa e pairante camada de Idéias e Fórmulas que constitui a atmosfera mental das Cidades, o homem que a respira, nela envolto, só pensa todos os pensamentos já pensados, só exprime todas as expressões já exprimidas: - ou então, para se destacar na pardacenta e chata rotina e trepar ao frágil andaime da gloríola, inventa num gemente esforço, inchando o crânio, uma novidade disforme que espante e que detenha a multidão como um monstrengo numa feira. Todos, intelectualmente, são carneiros, trilhando o mesmo trilho, balando o mesmo balido, com o focinho pendido para a poeira onde pisam, em fila, as pegadas pisadas; - e alguns são macacos, saltando no topo de mastros vistosos, com esgares e cabriolas. Assim, meu Jacinto, na Cidade, nesta criação tão antinatural onde o solo é de pau e feltro e alcatrão, e o carvão tapa o é, e a gente vive acamada nos prédios como o paninho nas lojas, e a claridade vem pelos canos, e as mentiras se murmuram através de arames - o homem aparece como uma criatura anti-humana, sem beleza, sem força, sem liberdade, sem riso, sem sentimento, e trazendo em si um espírito que é passivo como um escravo ou impudente como um Histrião... E aqui tem o belo Jacinto o que é a bela Cidade!
(...)
-Sim, com efeito, a Cidade... É talvez uma ilusão perversa!”
Eça de Queirós, A Cidade e as Serras
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José Saramago
“No interior da grande cidade de todos está a cidade pequena em que realmente vivemos.”
José Saramago
tags: cidade

Julien Green
“A alma de uma grande cidade não se deixa apreender facilmente; é preciso, para se comunicar com ela, termo-nos aborrecido, termos de algum modo sofrido nos lugares que a circunscrevem.”
Julien Green, Paris

Filipe Russo
“As luzes da cidade embaçam o é escondendo as estrelas.”
Filipe Russo, Caro Jovem Adulto

Filipe Russo
“Nu na cidade igual à atentado ao pudor, nu na floresta igual à dzܲԳã.”
Filipe Russo, Caro Jovem Adulto

Sandro William Junqueira
“Gente que anda descalça. Que calça a terra que pisa.
(...)
Embora admita que, de algum modo, esta orfandade de pertença desenhou nele uma tatuagem cardíaca.
(...)
é o que acontece quando fazemos turismo; baixamos a guarda.
(...)
A cidade é um mar que nos pode engolir a qualquer momento, um monstro que nos pode golpear sem aviso, um inferno de variáveis incertezas.
(...)
Se a velhice me ensinou algo, é isto: a consciência plena dos desperdícios em favor das nossas próprias tolices.”
Sandro William Junqueira, Granta Portugal 4: África

Ricardo Piglia
“Mudanças, novos bairros onde circulo como um estrangeiro, renovando meu interesse pela cidade. Já faz algum tempo, Barracas, os velhos prédios da fábrica � por exemplo, a da Bagley �, tão abundante por aqui, junto com os armazéns próximos do porto velho, que dão nome ao bairro. Também fica perto o parque Lezama, que tem uma atmosfera serena, com alguns velhos bares e restaurantezinhos muito agradáveis. Sempre faço a experiência de ficar sem dinheiro e conhecer a cidade a pé, procurando locais baratos, viajando de ônibus, uma experiência mais direta, mais conflituosa, não mediada pela qualidade mágica do dinheiro que alivia todo desconhecimento da realidade, porque quando tudo pode ser comprado não há enigmas.”
Ricardo Piglia, Anos de Formação: Os Diários de Emilio Renzi

“A ç da cidade excretava pesadelos reencarnados e costurados um ao carma do outro.”
Filipe Russo, Asfixia

Mia Couto
“Toda a cidade bela usa um espelho que é feito de áܲ. Basta que haja um lago para que a cidade possa envaidecer.”
Mia Couto, Pensageiro Frequente

“era noites de em vigílias, assim fomos deambulando pelos musseques da cidade, Marçal, Sambila, Kazenga, Golfe, Katambor e nos musseques, era levar a 𱹴DZçã a todos os cantos que faziam no fundo o mesmo espaço, quer dizer, me explico, para nós os musseques eram um todo, o espaço único, por isso lutar no Sambila ou no Rangel era a mesma coisa, era lutar a mesma causa, os musseques eram afinal o musseque, a nossa terra sofrida, o nosso chão, a nossa vida partilhada, assim, quando um negro era assassinado no Kazenga eu lhe sentia no fundo de mim, eu me sentia morrer, tu sabes, Saiundo, o que é sentir a morte de um quem querido morrer em nós?, se morrer-se?, é difícil explicar o sentimento que se sente nessas ocasiões, o sentimento só existe se sentindo, explicar o sentimento não é o mesmo que senti-lo, só o sentir pode ser explicar tudo, assim, apesar de morar no Rangel, eu queria ser como Che, um combatente internacionalista dentro do espaço do musseque repartido em vários espaços onde que era preciso defender as populações da sanha assassina, lhes levar um pouco de conforto, compreendo a pergunta que queres fazer, como internacionalista, né?, o termo internacionalista talvez não seja o mais adequado porque a minha luta apesar de ser feitas em várias frentes era dentro do território nacional, da cidade de Luanda, mas o que eu queria dizer é que eu gostaria de ser um combatente vagueante como o Che, não vadio, vágil também não, mas vagueante, com rumo e objectivos bem definidos, quer dizer , um homem de as muitas terras, rios e margens, de muitas bandeiras e de uma só bandeira � a bandeira da humanidade �, um caminhante de muitos caminhos, um homem pronto a lutar por uma causa em qualquer chão, percebes?, meu amigo, das populações negras, o que eu recebi por esse esforço?, meu amigo tudo ou nada, quer dizer a recompensa moral, a fama e a glória de ser chamado de o comandante Quinito, eu mesmo, o mais maus de todos, o justiceiro, o defensor dos desprotegidos, quem que ajustava as contas com o ruim, o mais que mau, o qual trouxe respeito e consideração nos musseques”
Boaventura Cardoso

Claudia Durastanti
“O que ocorre com o atordoamento de quem não sabe nada de uma cidade e se ilude que cada descoberta feita o seja pela primeira vez? Que espaço tem o desejo quando tudo é feito tão transparente?”
Claudia Durastanti, La straniera

Claudia Durastanti
“Podemos fracassar numa história de amor, na relação com a mãe. Mas quando uma cidade nos repele, quando não conseguimos entrar em seus mecanismos mais profundos e estamos sempre do outro lado do vidro, somos tomados de uma sensação frustrada de mérito, que pode se tornar doença. Estrangeiro é uma palavra belíssima, se ninguém se força a sê-lo; o resto do tempo, é apenas sinônimo de uma mutilação, e um tiro de pistola que nos damos sozinhos.”
Claudia Durastanti, La straniera

“Qualquer um que almejasse sair daquela cidade já era uma pessoa melhor só por querer a ܻ岹ç.”
Gabriela Resende, Uma Aposta Alta Demais

“Inferi que os demais passageiros perguntavam a si mesmos se aquilo de fato havia sido dito ou se imaginavam, se eram seus próprios demônios que também tinham fome dentro de suas cabeças ruidosas. E era como se pregássemos uma peça, nós dois, e fôssemos mais espertos do que o resto das pessoas naquele ã, mais vívidos que seus rostos compenetrados de tédio, difusos, mal trabalhados. Depois me senti burro e inerte, porque estávamos todos juntos, afinal, no mesmo trem, indo para o mesmo lugar.

Ofereci o isqueiro para acender o cigarro que ela tirava do maço; me ocorreu que queria minha atenção. Falei que poderíamos cultivar uma horta, aonde iríamos, mas ela tratou como um devaneio, mais um. E riu com a ideia de me ver sujo, metido num macacão. Provoquei assegurando que dali em diante iríamos subir em árvores, sentar nas colinas ao pôr do sol, que andaríamos nus de galochas e que se calhasse, meu amor, ficaríamos loucos, discutindo pela janela e quebrando pratos, móveis, com estardalhaço para que todos escutassem e exclamassem baixinho, com medo de que a gente ouvisse: “Os loucos chegaram na cidade�, como se fôssemos vikings invadindo uma aldeia murada; ou “Os loucos da cidade chegaram�, como se toda cidade precisasse de loucos e os encomendasse, e nós estivéssemos a caminho empacotados no ã; ou então “Os loucos chegaram�, como se fosse um detalhe que alguém diz só por dizer; ou apenas “Loucos�, não mais que um resmungo, como se a cidade fosse louca também.”
Henrique Barreto, A horta

Beatriz Bracher
“E São Paulo não perdoa, te esfrega na cara o que você não consegue ser, no final da vida vai ficando pior, as evidências mais gritantes: você não chegou lá! não chegou nem perto!, piscam os luminosos da Avenida Paulista. Xavier sentiu o golpe, morreu cedo, não suportou a constatação do fracasso em um ninho vazio, na casa sem filhos, o único lastro que no final das contas foi capaz de criar na vida.”
Beatriz Bracher, Antonio